quinta-feira, 3 de março de 2011

#41: email da Paulinha para as amigas (leia antes o #40)

Gente!

Vocês viram que a Nadita largou noivo, empresa, tudo mesmo, e se mandou pra Punta?

O Ariel, coitado, tá um caco, já não diz coisa com coisa! Enlouqueceu, fala que ela roubou o prêmio de loteria que ele ganhou do gênio da lâmpada que não sei quem encontrou na Arábia. Pode? Se bem que sempre achei esse amigos de infância da Nádia meio estranhos. Teve dois deles que se suicidaram, não teve?

#40: email do Ariel II (leia antes o #39)

Nádia,

Saíram os meus números! Vc jogou, não jogou? Diga que jogou, Nádia. Não brinque comigo, Nádia. Se você jogou os MEUS números, essa história de cancelar o casamento ficou muito estranha. Estou indo AGORA pro Brasil.

Ariel

#39: email da Nadia (lei antes o #38)

Ariel,

Tive uma conversa com o Adalberto na semana passada, e ele confirmou que o Juninho se matou por minha causa. E agora recebi a notícia de que o Adalberto se matou! Estou confusa. Acho que sou amaldiçoada. Não quero esse fim triste pra você também. Queria estar aí no Bahrein para dizer tudo pessoalmente, mas não posso esperar. Vamos ter que cancelar o nosso casamento. Quando você voltar, falaremos com calma.

Nadia

#38: email do Ariel (leia antes o #37)

Nadita, linda, faz um favor pra mim? Sonhei com uns números. Joga na mega-sena pra gente, tá? 02 15 26 27 30 52. Não vá esquecer, pelo amor de Deus. Ainda não vi a minuta do tal pacto. Precisa mesmo disso?
Beijocas
Ariel

# 37: email do Adalberto (leia antes o # 36)

Invejado Ariel,

Antes de tudo, leia o email abaixo, que o Juninho me mandou.

Eu só li o e-mail do Juninho no dia seguinte ao da sua morte. Nem tentei lhe telefonar. Fui ao prédio dele, o coração na mão. Subi ao apartamento junto com o zelador. É bom ter uma testemunha nessas horas. Não descrevo o que vi, pois o que vi não é para ser repetido. O corpo de um amigo morto, naquelas condições – meu Deus, que visão horrível.

Fiz o que ele me pediu: plantei o bonsai no quintal da casa dos meus pais. Em um parque ele não sobreviveria.

Dentro do livro que ele me legou, um papel com seis números. Aquilo me atiçou. Joguei os números na mega-sena. Nada. Nem sobra dos números. Conferi o concurso seguinte no jornal, e lá estavam os números que eu havia jogado no concurso anterior. Aquilo me perturbou. Naquela note, sonhei com seis dezenas. Anotei as dezenas, joguei e... nada. Repeti as dezenas no concurso seguinte e... nada. Desisti. E não é que no concurso imediatamente posterior saíram as minhas dezenas? Novamente sonhei com seis dezenas. Ali eu já sabia o que aconteceria. Joguei os números por quatro concursos seguidos. No quinto, quando não joguei, saíram as dezenas do meu sonho. Novo sonho, novas dezenas, resolvi simplesmente não jogar. Saíram os números. Por algum motivo a maldição do tal do gênio da lamparina grudou em mim. Meio mudada, mas grudou. Entendi que minha sanidade mental dependeria de eu sempre jogar os números de meus sonhos, pois isso ao menos me impediria de ter novos sonhos. Toda quarta-feira e toda sexta-feira eu deixava dinheiro para minha secretária providenciar para que um office-boy fizesse a aposta.

Até que um dia, depois de meses fazendo o mesmo jogo, cansei. Resolvi não jogar. Encontrei o office-boy no elevador. Ele perguntou pelo jogo do dia, eu disse que tinha um palpite de que naquele sorteio não sairia. Mas que ele poderia usar meus números para fazer a aposta. Haveria a possibilidade de, ele ganhando, eu me ver livre dessa praga.

– Se eu ganhar com seu jogo, dou um milhão pro senhor.

– Não precisa. Melhor: prometa que não fará isso. Você que faça a aposta por sua conta e risco. Prometa que não irá me dar nada do prêmio. Jure agora.

– Juro, uai. Tá jurado. Mas era dado, não ia cobrar nada.

– Faça a aposta se quiser. Se não quiser, não faça. Mas saiba que você não me deve nada.

No final do dia, ele me mostrou o bilhete com a aposta.

– Olha que eu vou ganhar!

– Duvido. Mas boa sorte.

Ele não ganhou. Na semana seguinte o office-boy apareceu na minha sala eufórico.

– O senhor jogou?

– Não.

– Nem eu. A gente se fudeu. Deu o seu jogo.

– Já sei.

Eu já sabia. Não tinha lido o jornal, mas já sabia. E também tinha certeza (depois confirmei, mas já tinha certeza) de que o milhar também saíra. Inferno.

E assim a coisa foi indo. Eu até estava me acostumando com a maldição, quando aconteceu o que aconteceu: a Nádia me ligou e pediu para nos encontrarmos no bar do Tiago. Ainda naquele dia. Era muito importante conversarmos. Era sobre problemas relativos a seu casamento. Topei.

Ela começou falando do Juninho, é óbvio. Sondando... sabe como é. Tentou explicar o fim do casamento deles. Queria saber se ele havia sofrido muito com a separação. Eu disse que sim. Finalmente perguntou se ele tinha se matado por causa dela. Seus olhos estavam úmidos, ela estava pálida. Eu disse que sim. Ela baixou a cabeça.

– E você?

– Que tem, eu?

– Quando a gente se separou, você sofreu, né?

–Sofri, Nadita. Também pudera: dupla facada nas costas. Uma sua e outra do Juninho. Mas não cheguei a ponto de me matar. Desculpa se não cheguei a tanto.

– Besta! Não se faz piada com essas coisas. E eu não estava com o Juninho quando a gente se separou. Você sabe disso. No fundo, Beto, foi você quem me largou, desistiu de mim. Como desistiu de tudo na vida, de todos os seus projetos fracassados: sociedades, comércios, pirâmides... religiões. Você nunca se fixou em nada... aquilo me angustiava... e uma hora vi que você também tava desistindo de mim.

– Eu nunca te largaria, deixa de ser cabeçuda. E não dá pra dizer que meus projetos foram fracassos. Nenhum deles. Nem a busca da salvação. Você bem sabe que meu irmão – que eu levei pra igreja do jesus cristo iluminado dos últimos dias da redenção pela ascenção do maomé tibetano– largou a Cathia por causa da igreja e hoje tá inteirão.

– Cathia? Não era Silvia a namorada dele?

– Silvia era a outra. Paixão mesmo ele tinha pela Cathia. Pela Cathiaça.

– Besta! O ponto, Beto, é que os projetos só não foram fracassos pros outros . Pra você foram. Você sempre abandona as coisas antes do sucesso chegar. O website, por exemplo...

– Nadita, quando você largou de mim abdicou do privilégio de pegar no meu pé.

– Besta! (é lindo o sorriso da Nadita) Se falo, é pro seu bem.

– Eu sei. Mas diga, Nadita: seu casamento...?

– Pois é, meu casamento...

– O que especificamente seu casamento?

– É que sou sócia do Ariel no website que você vendeu pra ele. Você sabe. A Paula disse que nós vamos ter que desfazer a sociedade. É isso mesmo? Eu não queria colocar um laranja na sociedade só pra constar.

Expliquei toda a lenga-lenga da sociedade entre marido e mulher, regime de bens, quando é possível uma sociedade entre marido e mulher, tudo mais. Disse que na idade de vocês a melhor opção seria a separação total – até para evitar conflitos com os seus filhos, Ariel. E que a Paula não era – não era mesmo – a melhor pessoa para dar orientação jurídica pra ninguém. Eu disse que eu mesmo poderia, por um precinho camarada, minutar um pacto antenupcial. Ela perguntou se precisava de advogado pra isso, ou se o notário bastava. O notário bastava. Ela se deu por satisfeita. Conversamos algumas amenidades, sem tocar no assunto do Juninho. Aí ela voltou pra casa, levando a sua consulta jurídica grátis. É incrível a capacidade que tem a Nádia de sempre obter o que quer.

Fiquei mais um pouco no Chez Jacques e voltei pra casa. Sozinho. Sozinho e encasquetado. A história da Nádia me preocupou. Eu sempre ia pelo caminho certo, mas por algum motivo, eu sempre me desviava antes do final, onde estava o bônus. Relacionei isso com a loteria, e aí pirei. Seria o caso de as pessoas pegarem a maldição de acordo com seus próprios defeitos? O Juninho, coitado, tinha sempre as ideias mais incríveis, no exato momento em que elas se faziam... desnecessárias. Seria isso só comigo e com o Juninho? Ou seria algo universal?

Matutei, matutei, e concluí que é algo universal. Fala-se tanto em coisificação do homem e outras baboseiras sociológicas, quando o problema, caro Ariel, é a quasificação do homem. A gente sempre quase alguma coisa nesta vida. Nessa vida, já seria melhor dizer, se levarmos em conta o momento em que você lê esta mensagem. É isso. Concluí que A única saída para a quasificação é a morte. Mas como a vida, a morte não basta. É preciso deixar um legado. Por isso este bilhete, que vai com seis dezenas amaldiçoadas: 02-15-26-27-30-52. São as seis dezenas com as quais sonhei na noite passada. Faça bom proveito, já que você está aproveitando tão bem a minha ex-empresa e a minha ex-mulher.

Adalberto.

P.S.: o prêmio está acumulado.